Um passeio pela música sacra
A música sacra
ocidental está repleta de composições que marcaram a história, desde o período
medieval com a monodia litúrgica do primeiro milênio, passando pela Ars Antiqua,
Ars Nova, Renascimento, Barroco, Clássico e assim por diante nos séculos XIX,
XX, e XXI. Tem seu lugar não somente dentro das igrejas, mas também nas salas
de concertos. Nesta playlist muito especial, você vai poder fazer um verdadeiro
passeio por algumas das mais célebres obras sacras musicais de todos os tempos.
Este lado religioso da música tornou-se com o tempo uma grande e importante
parte do repertório das orquestras, coros e solistas do mundo todo. Aperte o cinto e preste bastante atenção no
percurso, pois está cheio de obras monumentais, mestres da música e uma força
espiritual característica que a música sacra contém, aflorando nossa
sensibilidade e provocando profundas reflexões.
Começamos por
ninguém menos que Georg Friedrich Händel, com seu célebre oratório “Messiah”,
composto em 1741. Uma obra dividida em 51 movimentos, agrupados em três partes.
A parte mais conhecida de todas certamente é o “Hallelujah”, muito tocada em
eventos das mais diversas temáticas, porém vamos aqui colocar a “Sinfonia”, que
é a parte instrumental que funciona como uma abertura, sem texto, já incitando
uma reflexão sobre a vida de Jesus, o Messias, história amplamente conhecida.
Nesta parte, dois momentos contrastantes podem ser observados facilmente: um
primeiro com blocos de acordes ao estilo francês, e um segundo mostrando a
facilidade com que Händel manipula a técnica do contraponto em música. Ao
término desta introdução, o público percebe que uma história importante está
iniciando, que uma jornada histórica será contada através da música que recém
inicia.
Johann Sebastian Bach compôs, por
volta do ano 1727, a “Mattäus-Passion”, ou seja, a Paixão Segundo Mateus, que
conta a história de vida, sofrimento e morte de Jesus, na forma de um oratório.
Para orquestra, solistas, dois coros mistos e mais um terceiro coro de vozes
iguais em uníssono, a música é geralmente levada a público durante a semana santa
e seu conteúdo foi retirado diretamente do Evangelho de Mateus. Na playlist
consta a parte inicial desta gigantesca obra, com o texto “Kommt, ihr Töchter,
helft mir klagen”, que significa: “Venham, filhas,
ajudem-me a lamentar...Vejam-no, por amor e clemência, no tronco da cruz
sacrificado, sempre sereno, mesmo quando foi desprezado, suportou todos os
nossos pecados, sem ti teríamos nos desesperado. Tem piedade de nós, oh Jesus!”
Do
“Magníficat”, composto pelo britânico John Rutter, separamos o “Esurientes”,
para soprano solo, coro e orquestra. A melodia é delicada e confortante, de uma
sensível leveza. A composição de 1990 baseada no Evangelho de Lucas (I, 46-55)
conta o que aconteceu logo após o anúncio do Arcanjo Gabriel à Maria, que foi
visitar Isabel, também grávida. Sendo recebida por Isabel, Maria respondeu:
“Senhor, a minha alma engrandece. E meu espírito exulta a Deus, Meu Salvador.
Porque olhou para a humildade de sua serva...”
Voltando
alguns séculos, visitamos o Canto Gregoriano ou Cantochão, como é conhecido. A
monodia litúrgica do primeiro milênio se estendeu firmemente ao segundo milênio
e serviu de base para muitas composições sacras subsequentes. O famoso livro
“Liber Usualis” compila importante parte da música religiosa deste tempo e nos
trás até hoje em sua notação neumática. Sua melodia está muito próxima da fala,
da reza e, portanto, da explícita compreensão do texto. Dentre eles, está o
“Salve Regina”, a mais importante Antífona Mariana, que traz em seu texto um
pouco da expressão da piedade medieval: “Salve, Rainha, mãe de misericórdia.
Vida, doçura, e esperança nossa, salve... Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem
Maria”.
Agora, imagine-se
entrando numa grande catedral na Europa, no século XVI, pouca luz, vitrais
impressionantes, arquitetura imponente, reverberação de dez segundos ou até
mais, e você começa a ouvir uma polifonia coral, daquelas que tem um poder
hiptnotizante, encantador. O compositor Giovani Pierluigi da Palestrina, neste
contexto, trouxe ao mundo a Missa Papae Marcelli (c. 1562), em homenagem ao
Papa Marcelo II que governou a Igreja Católica por alguns dias somente, pois
veio a falecer em seguida. Com esta composição Palestrina teria reorganizando a
polifonia vocal daquela época, dando mais clareza às palavras, e assim resolvendo
uma discussão acerca da problemática que os compositores estariam prejudicando
o entendimento do texto. Desta peça histórica ouvimos o “Kyrie”, cuja tradução
significa: “Senhor, tende piedade de nós”.
O
imponente “Requiem” de Giuseppe Verdi estreou em 1874 no aniversário da morte de Alessandro Manzoni, poeta e
romancista italiano admirado por Verdi. É uma obra
vigorosa e cheia de contrastes, causa um grande impacto em quem a ouve pela
primeira vez ao vivo. O estilo operístico de Verdi é percebido também nesta
Missa, com virtuosismo e uso da força orquestral a favor do texto. Isolamos
aqui o “Sanctus”, que já começa ao anúncio empolgante de trompetes, ao
dramatizar o texto que significa: “Santo, Santo, Santo sois Vós. Senhor Deus
dos exércitos... Hosana nas alturas”.
“Lacrimosa”
é uma das partes do “Requiem” (1791) de Wolfgang Amadeus Mozart, que já ao fim
de sua vida não conseguiu terminá-lo. Envolto em mistérios, a história desta
composição fascina muitos até hoje, sendo retratada inclusive em filmes, como
por exemplo, “Amadeus”, ganhador do Oscar em 1985. A música toda é repleta de energia,
mistério e densidade, provocando um misto de sensações e reflexões no apreciador
atento. “Lacrimosa” é uma das partes mais conhecidas desta Missa de Requiem, seu
texto significa: “Dias de lágrimas, naqueles dias
nos quais ressurgirá das cinzas um homem para ser julgado. Portanto,
poupe-o, ó Deus. Ó, misericordioso, Senhor Jesus, Repouso eterno dá-lhes. Amém.”
Nosso
contemporâneo Steve Dobrogosz, estadunidense, compôs em 1992 a “Mass”, ou
“Missa” para coro, piano e cordas, numa linguagem bastante interessante,
incluindo alguns elementos do jazz dentre uma série de outros elementos
modernos. Colocamos aqui apenas o “Kyrie”, quebrando um pouco a sequência da
sonoridade das demais músicas desta playlist. Como se trata de um passeio pela
música sacra, esta passada pelos EUA traz um ambiente diferente e apresenta
Dobrogosz a quem ainda não o conhecia. Novos ares, novas sonoridades.
Após
o Concílio Vaticano II, o argentino Ariel Ramirez compôs a Misa Criolla (1964),
em parceria com o Padre Jesús Gabriel Segade, e logo esta peça musical já
estaria circulando o mundo em igrejas e teatros dos mais diversos. A obra
inclui ritmos e instrumentos regionais da Argentina, além do coro e solista, e
o texto é retirado da liturgia tradicional da Igreja Católica, desta vez recebendo
a tradução adaptada para o espanhol.
Selecionamos aqui uma das partes, o “Credo”, ou “Creio em Deus Pai Todo
Poderoso”, o qual foi colocado em uma chacarera trunca, ritmo característico da
região de Santiago del Estero. É muito interessante o efeito vibrante que é
ouvir uma missa com ritmos fortes e envolventes.
A grande “Missa
Solemnis” de Ludwig van Beethoven foi estreada em 1824, e se tornou posteriormente
um dos grandes monumentos da música sacra na cultura ocidental, uma obra grande
também em complexidade, ao lado da “Missa em Sí Menor”, de Bach. Com o seu
imponente “Gloria in excelsis Deo” (Glória a Deus nas Alturas) encerramos nossa
playlist de forma vibrante, e mais uma vez admirando a habilidade composicional
singular do mestre Beethoven.
“A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A
melodia é a vida sensível da poesia”. Ludwig Van Beethoven.
“A presença divina é suficiente para estabelecer a ordem numa alma e
trazer-lhe a paz”. São Marcelino Champagnat.
Por Marcio Buzatto